A Lei n. 11.638/2007 estabeleceu expressamente que seriam aplicadas as disposições da Lei n. 6.404/1976 às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedade por ações, no que se refere a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Tendo em vista que não houve menção explícita sobre a publicação das demonstrações financeiras, surgiu a discussão sobre a obrigatoriedade das sociedades de grande porte assim fazer. Esse debate tomou grande proporções entre os diferentes órgãos estatais, tendo em vista que algumas instituições se posicionaram a favor da publicação das demonstrações financeiras por esse novo tipo societário, o que não foi seguido por outras entidades.
Além disso, posicionamentos diversos entre os Tribunais e doutrinadores também ganharam espaço no cenário jurídico, sendo a questão trazida para julgamento a este E. Superior Tribunal de Justiça, responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil.
É incontestável que a redação da Lei n. 11.638/2007 não trouxe a obrigação expressa de as sociedades de grande porte publicarem suas demonstrações financeiras, limitando seu texto a estender as disposições relativas à escrituração e elaboração. É certo que o Projeto de Lei n. 3.741/2000, que mais tarde foi transformado na Lei Ordinária 11.638/2007, apresentou inicialmente texto estabelecendo que as disposições referentes a elaboração e publicação das demonstrações financeiras, previstas na lei de sociedade por ações, relativamente às companhias abertas, seriam aplicadas às sociedades de grande porte, mesmo quando não constituídas sob a forma de sociedade por ações.
Todavia, assim não foi aprovado. O texto final da Lei n. 11.638/2007, em seu artigo 3º, "caput", somente alude sobre a obrigatoriedade da escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, excluindo expressamente a palavra "publicação" incluída no projeto de lei. Após um amplo debate no Congresso Nacional acerca do texto apresentado originalmente, não há como entender que a palavra "publicação" passou despercebida pelos parlamentares.
É possível, portanto, concluir que houve um silêncio intencional do legislador para excluir a obrigatoriedade das empresas de grande porte fazerem publicar suas demonstrações contábeis. Em atenção ao princípio da legalidade ou da reserva legal, compreendido como base do Estado Democrático de Direito, somente as leis podem criar obrigações às pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.
Considerando que a relação posta em julgamento é entre particulares, não há como estender a exigência de escrituração e elaboração, expressamente escrita na lei, à publicação das contas, propositalmente excluída do projeto de lei. A doutrina leciona que: "Nenhuma outra exigência reservada pela lei às sociedade anônimas se estende às limitadas de grande porte, em razão de sua classificação nessa categoria. A publicação das demonstrações financeiras ou o seu registro na Junta Comercial, por exemplo, não é legalmente exigida das sociedades limitadas, nem mesmo quando classificadas como 'de grande porte'. A exemplo do regime jurídico aplicável à generalidade das sociedades limitadas, as demonstrações contábeis são documentos internos, destinados exclusivamente aos sócios".
No mesmo sentido, em outra literatura doutrinária, tem-se que: "Conquanto as sociedades de grande porte estejam obrigadas a proceder à escrituração e à elaboração de suas demonstrações financeiras de acordo com os preceitos da Lei n. 6.404/1976, não há previsão legal de sua obrigatória publicação, ficando essa medida de transparência reservada ou à discrição de seus membros ou a exigência legal ou regulamentar autônoma; não resulta do disposto no art. 3º da Lei n. 11.638/2007".
Nem mesmo o fato de a ementa da Lei n. 11.638/2007 afirmar que ela "estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras", é capaz de mudar a sorte do caso. Isso porque, a ementa da lei é apenas o preâmbulo que resume o seu conteúdo, sem nenhuma força normativa.
Apesar do dever da ementa guardar estreita relação com a ideia central da lei, não há como ignorar que a subordinação dos seus preceitos está associada diretamente com o seu conteúdo, que, no caso, está estampado no artigo 3º da Lei n. 11.638/2007.
Desse modo, considerando que referido artigo foi expresso ao aplicar às sociedades de grande porte apenas as disposições da Lei n. 6.404/1976 sobre a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, não há como estender o conceito de publicação e divulgação, ainda que este último tenha sido mencionado, mas apenas, na ementa da Lei n. 11.638/2007.
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